Sunday, August 28, 2005

 

Antes de mais, porque Rei do Lixo?





Simplesmente uma Homenagem ao autor de uma obra imponente que nos dias de hoje corre perigo de “vida”, podendo a vir ser atropelada por mais um projecto imobiliário.
O palácio de Coina foi sempre para mim motivo de imensa curiosidade e muitas fantasias, quando me dirigia a Lisboa pela Estrada Nacional n.º10, ou me deslocava à freguesia de Coina deparava com aquele edifício muito singular, marcava de tal forma a paisagem e tinha um tipo de arquitectura tão invulgar que se tornou num enigma a desvendar. Perguntei aos meus pais e a pessoas naturais do Barreiro de que edifício se tratava, quem o construíra? Responderam-me muitas coisas, desde que eram umas termas, habitação de fidalgos, até que alguém me disse que era vulgarmente conhecido pelo “Castelo do Rei do Lixo”e que sobre o qual se contavam muitas histórias curiosas. Conformei-me, não tinha ainda maneira de saber qual a verdadeira história do “castelo”. Sabia no entanto que Coina não tinha nenhuma casa aristocrática e que todos os reis se insurgiriam com o cognome de “rei do lixo”.Após anos de perguntas sobre tão estranha construção, decidi aventurar-me na descoberta da história deste “castelo”.
Durante este esta investigação fui confrontado com a existência de um projecto de urbanização para aquele espaço e da possível destruição do castelo que alimentou o meu imaginário e que me fez descobrir um pouco mais acerca da história do meu concelho.A história do palácio de Coina remonta ao século XVIII, a quinta fazia parte das vastas terras de D. Joaquim de Pina Manique, político, cavaleiro da ordem de Cristo e irmão de D. Diogo de Pina Manique fundador da Casa Pia de Lisboa.Ainda hoje a marca de D. Joaquim está patente na quinta pois encontra-se uma cruz de Cristo inscrita numa lápide nos muros da quinta. Em finais do século XIX parte da propriedade foi comprada pelo “rei do lixo” que construiu um império a partir do nada! Manuel Martins Gomes Júnior nasceu em 1860 no ceio de uma família humilde em S. António da Charneca, prometeu a si mesmo mudar de vida e foi o que fez! Trabalhou como empregado de uma mercearia em Lisboa, quando fez algum dinheiro regressou ao Barreiro e comprou o moinho de água em frente à Quinta de S. Vicente. Ao conversar com um “popular”, este especulou sobre uma das muitas formas em que Manuel M. G. J. ganhou a sua primeira maquia, referindo que assinou um contrato com uma seguradora, e posteriormente ateou fogo ao moinho, recebendo o dinheiro relativo ao estrago. Assim comprou uma fatia daquilo que será a sua grande quinta. Durante os anos seguintes Manuel M. G. J. trabalhou na agricultura, emprestando dinheiro aos proprietários vizinhos para cultivarem a ceara. Porém houve anos maus (e Manuel não perdoou as dívidas!) e nesses tomou uma decisão radical, anexou as parcelas dos devedores à sua, formando assim uma quinta com mais de 300 hectares. Devido a seu profundo anti-deísmo baptizou-a de Quinta do Inferno. Tornou-se um grande proprietário, e havia que rentabilizar o terreno! Estabeleceu um contrato com um grande negociante e exportador de carnes, Manuel M. G. J. Alugou-lhe o espaço para porcos e participou no negócio de exportação de carnes. Pouco tempo depois o seu sócio morreu e Manuel assumiu o controlo dos negócios e passando a ser negociante de carnes. Devido à sua intuição nata para os negócios e ao seu carácter empreendedor atingiu o auge assegurando o controlo da recolha dos lixos em Lisboa (à altura os lixos eram apenas matéria orgânica) transportando-os para Coina nos seus cinco barcos (a que deu os nomes de Mafarrico, Lúcifer, Belzebu, Demónio e Satanás) o lixo servia de alimento aos porcos, ele não gastava um tostão! Apesar de ser profundamente ateu era muito dedicado à sua região, protegeu os pobres, financiou colectividades, construiu a primeira escola de ensino primário na freguesia e fundou a Companhia Agrícola Nacional. Manuel Martins Gomes Júnior tornou-se uma figura política de peso, republicano e provávelmente maçónico.
Em 1910 após a revolução republicana mandou construir o palácio de Coina investindo aí muito dinheiro, conta-se que o palácio foi construído com os mais ricos materiais da época. Nunca se chegou a saber qual a finalidade do edifício, uns afirmam que se destinava a “ir para lá morar com toda a sua família”, “que era para do alto avistar as suas vastas propriedades no Seixal”,ou “que era para fazer uma demonstração de grandeza e poder”. Outros disseram que seria nova sede da maçonaria visto que a sede ardera à pouco tempo. O Sr. Benedito está convicto que foi com este último propósito, recorda que circular no palácio era bastante complicado “era um autentico labirinto” – afirma, embora na minha opinião seja claramente uma demonstração de grandeza e poder pela imponência do edifício em si, arquitectura única em Portugal.Contudo o palácio, nunca foi habitado, Manuel Martins Gomes Júnior morreu em 1943 em circunstâncias estranhas, a causa da sua morte nunca viria a ser apurada. Deixou um enorme legado de propriedades e 143 mil contos que doou à Misericórdia.Assim a Quinta do Inferno passou para o seu genro António Ramada Curto que posteriormente a vendeu a José Mota.Este último retomou o cultivo da quinta e melhorou os seus jardins palacianos acrescentando à piscina; pérgula; labirinto de arbustos; escadas de pedra; pomar e palmeiras existentes uma capela. A Quinta do Inferno mudou então de nome e passou a chamar-se Quinta de S. Vicente.Em 1972 foi novamente vendida, desta vez a António Xavier de Lima, conhecido urbanizador da margem sul. Este último afirmou publicamente ter um projecto para reconverter a quinta, e transformar o palácio numa pousada de cerca de 85 quartos.Mas noite de 5 de Junho de 1988 o palácio foi totalmente devorado pelas chamas, Xavier de Lima disse ao jornal “A CAPITAL” que o restauro implicava um investimento não suportável. Desde aí o palácio encontra-se num total abandono e recentemente abateu toda a parte intermédia e o terceiro terraço. Transformando-se dia para dia a transformar-se numa enorme ruína.
Além desta homenagem fica também aqui uma critica, não só à população que vive muito próxima do Palácio que evita falar de qualquer assunto relacionado, como ao próprio próprietario que em tantos não foi capaz senão de por uns cavalos na quinta, não tendo o mínimo cuidado não digo em restaura-la mas no mínimo em conserva-la, é visível o estado lastimável das casas anexas à quinta, e em relação ao palácio… bem, palavras para que? Em tantos anos nada foi feito… desculpas como “investimentos insuportáveis” não são desculpa para tudo…nem sequer para a privação do palácio de tudo e de todos, todos sabemos que a Torre é o ex-libris da histórica vila de Coina e facto de não sequer abrir as portas da quinta nem sequer para a ver de perto deixa me pensar muitas coisas, a principal é que se quer desvalorizar um terreno para posteriormente o valorizar muito e muito…
Actualmente o palácio está em avançado estado de degradação. Se não forem tomadas medidas urgentes, este património do Concelho do Barreiro tem morte anunciada, mas enquanto o Palácio de Coina se mantiver de pé, a memória do “Rei do Lixo” permanecerá viva!


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